segunda-feira, 16 de julho de 2007


Educador social de rua: trajetória e formação.

Pedro Pereira dos Santos

(Bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford e mestrando no Programa de Pós-graduação em Educação e Currículo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, tendo como orientadora a Profa. Dra. Marina Graziela Feldmann).

O presente artigo tem como objetivos compartilhar uma prática educativa realizada com crianças e adolescentes em situação de rua e, a partir dela, definir o que é o educador social e propor princípios norteadores para a sua formação, tendo como aporte teórico a pedagogia freireana.
A formação de um educador resulta de conjunto de saberes construído de forma individual e coletiva no contexto familiar e em outros espaços sociais nos quais ele participa como a escola e os diversos tipos de instituições de natureza governamental ou não. Sendo assim, os seus saberes portam crenças e idéias que foram herdadas e/ou construídas nos mais variados espaços educativos durante toda a sua trajetória profissional.
Nesse sentido, a vida do educador traz marcas significativas do contexto no qual ele atua e dos aportes teóricos que o norteiam e, dessa forma, para compreender o seu ponto de vista e a sua opção ideológica, faz-se necessário identificar no seu percurso profissional as crenças e os valores saberes que foram construídos e que serviram de paradigma para a sua prática educativa. É nessa perspectiva que Boff (2002, p.09) diz:
[...] todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo (...) a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam.
Com a intenção de demarcar o contexto de onde venho e explicitar o meu ponto de vista àqueles que dialogam comigo na construção de saberes é que compartilho alguns aspectos da minha prática educativa desenvolvida com crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Fortaleza-Ceará1.
É a partir desse “chão” que penso o tema de estudo e entendo como criança e adolescente em situação rua tanto aqueles que estão nela e a concebe como um espaço que lhe possibilita angariar recursos para ajudar no sustento de seus familiares, quanto os que a têm como um local de moradia e de referência identitária (GRACIANI, 2001; RIZZINI e BUTTER, 2003). Adoto essa definição mesmo cônscio de que ela não é unívoca, pois existem outras interpretações como a de Luchinni (2003) que entende como crianças e adolescentes em situação de rua apenas aqueles que moram neste espaço.
A pratica educativa com crianças e adolescentes em situação de rua.
A minha trajetória profissional teve início em 1999, período que fui contratado como educador social de rua pela Fundação da Criança e da Família Cidadã- FUNCI - uma Organização Governamental fundada em 1994 e vinculada à Prefeitura Municipal de
Fortaleza- que trabalha com crianças, adolescentes e famílias em situação de risco e vulnerabilidade social.
Neste trabalho, deparei-me com vários desafios dentre os quais destaco dois. O primeiro deles diz respeito ao meu contato com a realidade desumanizadora vivenciada pelas crianças e jovens em situação de moradia na rua. Senti-me pasmo diante de alguns problemas mais comuns que esses sujeitos enfrentavam como o uso indevido de drogas, a prostituição infanto-juvenil, ameaça de morte pelos traficantes e/ou transeuntes, violência doméstica, baixo auto-estima, a pobreza e a mendicância de suas famílias.
Essa realidade de abandono dos familiares das crianças e jovens em situação de rua foi explicitada através de alguns resultados de uma pesquisa realizada em 1998 denominada: “Tendências atuais da Família da Criança e do Adolescente em situação de risco em Fortaleza”. Quatrocentos e uma (401) famílias participaram da pesquisa, sendo que dos 401 domicílios visitados 292 famílias, correspondendo a um índice de 72,8%, disseram sobreviver com uma renda per capita de 50% do salário mínimo. Por outro lado, a pesquisa mostrou que do total pesquisado, 153 famílias (38%) sobreviviam com a renda per capita equivalente a 25% do salário mínimo.
Num segundo estudo realizado pela Equipe Interinstitucional2 em 2002, sobre: “O perfil da Criança e do Adolescente morador de rua de Fortaleza”, foram contactados trezentos e sessenta e sete (367) crianças e adolescentes. Destes, trezentos e sete (307) - o que corresponde ao percentual de 84% - usavam drogas. Apenas 18 (5%) afirmaram que nunca usaram qualquer tipo de droga. Treze crianças/adolescentes (4%) declararam que deixaram de usar drogas; 29 dos entrevistados (8%) não responderam.
Mesmo diante desse contexto, na prática educativa desenvolvida na rua, percebi através de observações e registro de falas de crianças e jovens, alguns de seus sonhos, potencialidades e desejos de mudança. Sonhavam com uma escola que os concebesse como sujeitos portadores de idéias e valores, com uma sociedade mais humana e reivindicavam carinho e atenção dos familiares, educadores e demais pessoas. Muitos denunciavam os tipos de violência que sofriam na rua, dentre as mais comuns, a física e a psicológica. Parece-me que essas atitudes sinalizam a necessidade e a vontade de esses sujeitos serem considerados como cidadãos e de superarem os obstáculos que lhes impediam de viver a sua vocação ontológica (Freire, 1996) que é ser sujeito da história e; não, objeto dela.
Cônscio das potencialidades desses sujeitos, vi-me diante de um segundo desafio que se referia à minha formação. Eu era recém formado em Filosofia e conseguia identificar alguns fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que contribuíam/contribuem para que a criança e o jovem estivessem na rua. Porém o trabalho educativo com esses educandos, exigia de mim o domínio de outros saberes que pudessem retratar as problemáticas vivenciadas por eles na rua. E nesse sentido, além de conhecer aspectos da história dos educandos, eu deveria também realizar oficinas educativas, abordando temas como: DSTs/AIDS, identidade, prevenção às drogas, violência doméstica, auto-estima e Estatuto da Criança e do Adolescente3.
Esse conjunto de temas desafiava-me, porque a minha formação filosófica que considero de suma importância, naquele contexto, ajudava-me bastante mas exigia também o domínio de outros conhecimentos complementares e interdisciplinares para que eu pudesse atender às especificidades das demandas. Isso fez com que eu participasse de cursos de formação para educadores sociais e dedicasse a minha leitura mais para essa área de atuação.
Com essa intenção, dediquei-me à leitura de alguns educadores como Paulo Freire (1987; 1992; 1996; 2004;2005;2006) Maria Stella Graciani (2001); Antônio Carlos Gomes da Costa (1991; 1999); Ireni Rizzini (1997; 2003; 2004), Ricardo Lucchini (2003) e Anton Makarenko (1986) que me ajudaram/ajudam na prática educativa com crianças e adolescentes em situação de rua.
Uma das contribuições desses autores diz respeito à compreensão acerca das conseqüências advindas da lógica acumulacionista do mercado que tem como paradigma fundante a racionalidade instrumental, que reduz o ser humano a um instrumento de produção de bens materiais, sendo que o seu o valor encontra-se na sua capacidade de produzir e consumir os produtos do mercado.
Nessa lógica utilitarista na qual o ter suplanta o ser social, as crianças e adolescentes em situação de rua são considerados desprovidos de valor, improdutivos para o mercado capitalista, marginais em potenciais e perigosos ao convívio social.
Os autores ensinaram-me a andar na “contramão”, pois em consonância com o pensamento deles, compreendo esses educandos como portadores de sonhos e saberes que se bem orientados pelos educadores, familiares e outras pessoas da sociedade, podem assumir-se enquanto cidadão crítico e participativo na sociedade.
A Experiência no trabalho de formação de educadores sociais.
A partir desse trabalho educativo com crianças e adolescentes em situação de rua, fui convidado em 2003 pela coordenadora de Programas Sociais da Fundação da Criança e da Família Cidadã-FUNCI- Maria Penha Moura- para trabalhar na Equipe Sócio-Pedagógica, responsável pela formação do educador social. A equipe era composta por quatro (04) pedagogos, que acompanhavam o trabalho do educador e promoviam encontros de formação através dos quais, percebemos o quanto o profissional que atuava na área da educação social necessitava de uma consistente formação teórica que norteasse a sua prática educativa.
Diante dessa constatação, a Equipe Sócio-Pedagógica sistematizou um curso de formação4 continuada para os educadores, organizado em seis módulos: identidade do educador social; prevenção ao uso indevido de drogas; gênero e sexualidade; cidadania (Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA; Lei Orgânica da Assistência Sociais-LOAS) e Psicologia da criança e do adolescente.
O período de estudo de cada módulo correspondia a dois meses e a discussão sobre os temas era mediada pela Equipe Sócio-pedagógica e pelos palestrantes advindos de Organizações Não Governamentais (ONGs) e Organizações Governamentais (OGs) de Fortaleza-CE.
Por meio dessa primeira experiência com a formação do educador social, tive a oportunidade de perceber nos grupos de formação algumas dificuldades, reivindicações e conquistas presentes na sua prática educativa, que foram registrados no Caderno de Registro da Equipe de formação. Dentre as dificuldades, percebia-se que no trabalho
educativo do educador social pouco se considerava a história de vida dos educandos em situação de rua, desprezando os seus sonhos, crenças e saberes o que contribuía para que muitos desistissem do tipo de acolhimento oferecido pela instituição. Um outro entrave referia-se ao fato de que muitos educadores percebiam as crianças e jovens em situação de rua como feixe de carências, desprovidos de potencialidades. Por último, parece-me que havia uma prática educativa descolada de uma sólida fundamentação teórica.
Quanto às reivindicações, esses profissionais reclamavam por um maior reconhecimento e valorização da sua profissão tanto pela instituição que os contratava para a realização de suas atividades, quanto pela sociedade e; solicitavam também um curso acadêmico que melhor pudesse capacitá-lo para atender aos desafios que perpassavam a sua profissão5.
No que diz respeito às conquistas, muitos educadores demonstravam que tinham consciência acerca dos fatores políticos, econômicos, sociais e culturais que contribuíam/contribuem para que a criança e o adolescente estivessem na rua e, a partir daí, denunciavam em diversos espaços como seminários, reuniões da Equipe Interinstitucional e em jornais como o Diário do Nordeste, exigindo da sociedade e do Estado uma ação mais efetiva para solucionar e/ou minimizar a situação desumana na qual se encontravam as crianças e os jovens.
Ao lutar pela efetivação dos direitos dos sujeitos que se encontravam na rua, os educadores sociais preocuparam-se também com a valorização da sua profissão, fundando no dia 07 de janeiro de 2004 a Associação dos Educadores Sociais do Estado do Ceará-AESC, que teve um valor significativo para o educador social devido representar as suas demandas referentes às questões salarial, formação e a sua segurança no momento de realização da prática educativa na rua.
Era “comum” os educadores serem ameaçados de morte pelos traficantes que se revoltavam, pois os seus ganhos ilícitos eram reduzidos com a saída dos meninos em situação de rua para as instituições de atendimento-escolas e projetos sociais. Nesse contexto, a Associação promoveu encontros através dos quais explicitavam as demandas dos educadores para as instituições que os contratavam e exigia delas a segurança e a valorização desse profissional.
Em 2004, tive uma segunda experiência com a formação do educador social na Casa do Menor São Miguel Arcanjo - uma Organização Não Governamental (ONG), que atua com crianças, adolescentes e famílias em situação de risco e vulnerabilidade social. Nesta Instituição, identifiquei a partir de conversas informais com os educadores e de registros de suas falas durante o Curso Básico de Formação6 alguns pontos fortes da sua
prática educativa, dentre eles a reivindicação por melhores condições de vida para as crianças e adolescente em situação de rua e a paixão pela sua profissão. Por outro lado, percebi alguns desafios como a licenciosidade e o/ou autoritarismo que ainda persistiam no trabalho educativo de alguns desses profissionais.
O educador social de rua
A partir desse meu percurso profissional é que elaborei um pré-projeto de pesquisa que possibilitou tornar-me bolsista do Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação Ford e mestrando do Programa de pós-graduação em Educação e Currículo da pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP.
É considerando essa trajetória de trabalho que, neste momento, dialogo com alguns autores a fim de definir o que se entende como educação social e educador social de rua e em seguida, proponho alguns princípios norteadores para a sua formação.
Para Oliveira (2004), a educação social de rua iniciou no Brasil no final da década de 70 e teve como aportes teóricos a pedagogia de Paulo Freire, a Teologia da Libertação e a influência dos estudiosos como Freinet e Emília Ferreiro. O autor relata que este tipo de educação tem como intencionalidades desvelar os fatores que obstaculizam o ser humano de se desenvolver enquanto sujeito7; instigar os oprimidos a lutarem pela sua libertação de forma coletiva, crítica e participativa e; construir focos de resistência daqueles que se encontram em situação de desvantagem na relação de poder.
Em consonância com essa compreensão, Gadotti (2001) afirma que essa educação funda uma pedagogia social em construção que exige o compromisso profissional aliado a uma consistente formação teórica-técnico-científica, amor pelos excluídos e coragem de denunciar as injustiças que lhes impedem de ser um sujeito histórico.
O fato de a Educação Social de Rua ter como um dos pilares que a sustenta o compromisso político e ético com os “esfarrapados do mundo” (FREIRE, 2005), faz com que ela seja caracterizada como um “sistema filosófico e campo profissional” (OLIVIERA, 2004) que tem como meta transformar a realidade social excludente.
A Educação Social de Rua se caracteriza por alguns atributos básicos. O primeiro deles é a intencionalidade, entendida como um conjunto de intenções, de objetivos, idéias, valores e conhecimentos que norteiam o processo educativo. Essas intenções podem estar a favor da domesticação do ser humano (educação bancária criticada por Freire, 2004) ou em prol da sua liberdade (educação libertadora). A Pedagogia social opta pela promoção da autonomia dos sujeitos históricos e possui uma intencionalidade político-pedagógica definida.
O segundo atributo refere-se à exigência do planejamento das ações educativas e de uma persistente teimosia pela construção da liberdade dos oprimidos junto com eles; o terceiro diz respeito à definição de seu âmbito de atuação que é o contexto extra-escolar e; por último, define-se por se constituir como um saber interdisciplinar no sentido de que as suas ações interventivas, projetos e propostas avaliativas são resultados de processos de discussões entre profissionais de diversas áreas de conhecimento.
De acordo com esse entendimento acerca da educação social, Oliveira (2004) define o educador social de rua como um profissional que desenvolve um trabalho remunerado ou não e que procura construir um vínculo afetivo com as crianças e
adolescentes que se encontram na rua, realizando uma prática educativa que seja sinônimo de inclusão social desses sujeitos.
Em consonância com o autor, Rizzini e Butter (2003) acrescentam que o educador é o sujeito que serve de referência e fonte de inspiração para as crianças e adolescentes em situação de rua.
GRACIANI (2001, p.29) inspirada no pensamento de Gramsci, define o educador social como um “... intelectual orgânico comprometido com a luta das camadas populares, que elabora junto com os movimentos um saber militante, captado na vida emergente dos marginalizados urbanos de rua”.
Em consonância com o pensamento desses autores, compreendo o educador social de rua como um agente de transformação que mediante um compromisso político com os pobres e oprimidos, instiga-os a lutarem e a se revoltarem8 de forma individual e coletiva para conquistarem as condições necessárias para se tornarem sujeitos da história.
A prática educativa desse educador torna-se uma ferramenta de empoderamento das classes populares, em especial, de crianças e adolescentes em situação de rua, valorizando os seus saberes e reforçando a sua luta de resistência contra as diversas formas de dominação.
Nessa perspectiva, o educando não é concebido como de rua, ele está nela, mas pode deixar de estar desde que as condições materiais, afetivas e culturais sejam disponíveis para o seu desenvolvimento. Sendo assim, o educador é um sujeito crítico e participativo que medeia um processo de construção da autonomia do aprendente e da sua “travessia” de uma realidade excludente que lhe nega a possibilidade de desenvolvimento integral para uma outra que lhe permite ser um ator/autor social.
Para esse profissional, penso que a pedagogia de Freire torna-se um aporte teórico de grande importância para a sua formação, pois lhe oferece princípios que podem contribuir para que o seu trabalho educativo seja sinônimo de emancipação de crianças e adolescentes em situação de rua.
Entendo que existem vários princípios no pensamento freireano que podem alicerçar a formação do educador social, porém neste trabalho, limito-me a destacar apenas alguns deles. O primeiro refere-se ao significado de ser humano presente na proposta libertadora, que o compreende como um ser social criador, que modifica o mundo, modificando-se. Ele é considerado um sujeito da história, que embora seja condicionado, mas não é determinado por ela. (FREIRE, 1996).
Essa compreensão acerca do humano tem um imenso valor para o educador social, pois me parece que a maioria das pessoas quando se refere às crianças e adolescentes em situação de moradia na rua, ainda os concebe de acordo com o “paradigma da situação irregular” do Código de Menores de 1979, que os classificam como abandonados, carentes e perigosos à sociedade.
Contrapondo-se a essa ótica negativa, o educador social que tem como base para o seu trabalho educativo a concepção antropológica freireana, é desafiado a conceber os aprendentes em situação de rua como pessoas em condição de desenvolvimento peculiar que portam algumas dificuldades, mas também potencialidades que lhes permitem superar os desafios que perpassam a sua existência.
Compreendendo dessa forma o ser humano, o educador pode construir junto com a sua comunidade de atuação, uma nova percepção acerca desses aprendentes, considerando-os como sujeitos de direitos.
Com esse intuito, a prática educativa do educador social pode considerar, mas não enfatizar as mazelas (drogas, violência doméstica, furto etc.) que destroem a vida das crianças e jovens em situação de rua. O seu trabalho educativo deve desvelar as possibilidades, mostrando-lhes que são capazes de ultrapassar os obstáculos de maneira paciente e progressiva.
O segundo princípio refere-se aos pilares que alicerçam a metodologia de trabalho freireano: ação-reflexão- ação. Essa tríade, significa partir da prática, identificando os fatos e situações significativas da realidade; teorizar sobre a prática, discuti-la e análisá-la e em seguida, voltar à prática, transformando-a.
Essa metodologia pode servir de base para o trabalho do educador social de rua na medida em que lhe possibilita desenvolver a prática educativa em três etapas, sendo que a primeira delas dá-se pelo conhecimento do contexto do educando que se encontra na rua; a segunda, a análise da realidade, desvelando-a com o objetivo de compreender os fatores que contribuem para exôdo e até mesmo a permanência das crianças e jovens na rua e; a terceira etapa, caracacteriza-se pelo encaminhamento dessas pessoas às instituições de atendimento para que nelas, possam juntamente com outros educadores e educandos construírem projetos de vida ou mesmo consolidarem aqueles que já existem. Porém, a prática educativa do educador social não se limita apenas ao encaminhamento dos aprendentes da rua para uma determinada instituição, pois a natureza política do seu trabalho exige que se lute permanentemente contra aqueles que consciente insconscientemente facilitam a exclusão, negando as condições favoráveis para o desenvolvimento do ser humano.
Essa ação educativa, que reivindica, provoca e inquieta o conformismo da sociedade acerca da situação da criança e do adolescente em situação de rua, pressupõe do educador social um diálogo fecundo entre ação- reflexão-ação para que possa compreender melhor a realidade e intervir nela, desmistificando-a.
O terceiro princípio diz respeito à definição de formação de Freire(2006),que a compreende como um processo que permite admirar(ver de dentro, analisar e problematizar criticamente) a prática educativa do educador, tendo como objetivos promover a sua criatividade e autonomia e tornar o seu trabalho educativo mais consistente para que seja uma ferramenta de intervenção na estrutura social, política, econômica e cultural.
De acordo com essa perspectiva, entendo que a formação é um processo que permite ao educador “mergulhar” na sua prática para desmistificar os mitos e os preconceitos que a subjazem e que foram construídos históricamente, visando tornar o seu trabalho educativo como uma “mola” propulsora da consicência crítica do ser humano.
Este tipo de formação exige que se considere como ponto de partida a experiência dos educadores sociais, o respeito pelos seus saberes obtidos na prática, a reflexão crítica sobre eles, o compromisso político e a identificação amorosa com os sujeitos menos privilegiados da sociedade.
Essa proposta formativa do educador social de rua ainda se encontra em construção e, nesse sentido, o artigo representa apenas uma tentativa de contribuir nesta direção.
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1 Fortaleza é a capital do Ceará e se “limita ao norte pelo Oceano Atlântico, ao sul pelos municípios de Pacatuba, Eusébio, Maracanaù e Itaitinga; a leste por Aquiraz e Oceano Atlântico e a oeste pelo município de Caucaia”. Fortaleza tem 2.141.402 habitantes, sendo a quinta cidade mais populosa do país. (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - COMDICA, 2004).

2 A Equipe Interinstitucional é composta por um conjunto de entidades que trabalham em parcerias, desenvolvendo um trabalho sócio-educativo junto às crianças e adolescentes em situação de Risco pessoal e social em Fortaleza: Associação Curumins; Pastoral do Menor, Casa do Menor São Miguel Arcanjo, Pequeno Nazareno, Fundação da Criança e da Família Cidadã etc.

3 Lei 8.069/de 13 de julho de 1990 que entrou em vigor em outubro deste mesmo ano e tem como fundamento a “Doutrina da Proteção Integral”, que considera a criança e o adolescente como sujeitos de direito e em condição peculiar de desenvolvimento, exigindo da família, da sociedade civil e do Estado a garantia dos seus direitos para que se desenvolvam integralmente.

4 Os encontros de formação aconteciam nas três primeiras sextas-feiras de cada mês. Foram organizados seis grupos de educadores, sendo que cada um tinha quinze (15) participantes.

5 Em alguns países como Portugal e Espanha já existem cursos de Graduação e Pós-graduação (strictu sensu) para Educadores Sociais, porém faz-se necessária uma séria observação sobre as especificidades das propostas educativas desses países para que não se faça um transplante cultural para a realidade brasileira.

6 O trabalho de formação com os educadores sociais foi organizado didaticamente em sete (09) módulos: a) Identidade do educador social; b) Prevenção ao uso indevido de drogas; c) Gênero; d) sexualidade; e) História da criança e do adolescente no Brasil; f) Cidadania ( Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA e Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS); g)Psicologia da Infância e da Adolescência; h) As Possíveis Contribuições para a formação do educador social a partir da pedagogia freireana e; i) Planejamento e elaboração de projetos sociais.
A formação iniciou em 12 de novembro de 2004 com carga horária de cento e trinta (130) horas aulas e atendeu quarenta e dois educadores (42), sendo que destes, apenas trinta (30) concluíram o Curso em dezembro de 2005.
A realização do Curso tornou-se possível através de parcerias com quatro núcleos da Universidade Federal do Ceará-UFC: Núcleo de Psicologia Comunitária-NUCOM; Centro de Assistência Jurídica Universitário-CAJU; Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Criança-NUCEPEC; Núcleo de Estudo sobre Gênero, Idade e Família-NEGIF e; outras parcerias com o Grupo de Apoio às Comunidades Carentes-GACC e a Associação Francesa Entre Aide (Entre e Ajude). A partir do investimento financeiro desta última Instituição, estruturou-
se uma mini-biblioteca para pesquisa dos educadores sociais e uma sala de leitura para as crianças e os adolescentes atendidos pela Casa do Menor São Miguel Arcanjo.

7 Considera-se como sujeito aquele que pensa criticamente o seu contexto histórico e age individualmente e coletivamente para transformá-lo.

8 Inspiro-me em Arduini (2002) que considera a revolta (trazer de volta) como uma ação que visa conquistar de forma individual e coletiva as condições necessárias para que o ser humano seja um ator/autor social.
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Referência Bibliográfica

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